A Filosofia em Rick and Morty

A série animada mais engraçada dos últimos tempos é muito mais profunda do que aparenta, oferecendo uma bela lição de vida.

 Em dezembro de 2014, o Adult Swim — bloco do canal de desenhos Cartoon Network que, de noite, passa séries animadas voltadas para o público adulto — lançou “Rick and Morty”. O programa conta a história das aventuras de um cientista, Rick Sanchez, com o seu neto, Morty. Logo, a sitcom de ficção científica em animação acabou se tornando, para a surpresa dos próprios criadores, um enorme sucesso, e hoje está disponível no Brasil por streaming na Netflix.


No entanto, através do sofisticado – às vezes, nem tanto – humor que é acompanhado de viagens interdimensionais e referências pop, o desenho aborda questões filosóficas extremamente profundas. É por isso que Rick and Morty deve ser analisado com um olhar mais cauteloso e reflexivo do que o normal. Não se trata de um humor non-sense, mas sim, de uma comédia que explora as maiores questões existenciais com bastante inteligência. E, para a alegria dos fãs no mundo inteiro — após a exibição de um único episódio no dia 1º de abril — , a 3ª temporada volta de vez no dia 30 de julho.
A grande verdade é que, se fosse possível definir os temas mais explorados pelo programa televisivo, seriam a luta contra a falta de sentido do universo e a busca de razões para a existência. Quase todo episódio – senão todos – abordam essas questões existencialistas com contundência. Isso tudo por meio de Rick, o cientista que é pai de Beth, por sua vez casada com Jerry e mãe de Summer e Morty, o outro protagonista ao lado de seu avô.
É claro que Rick and Morty é engraçado por si só, e serve como um excelente passatempo sem precisar que os seus telespectadores entendam o sentido subentendido das piadas feitas e da história da série. Mas eu decidi, por meio desse texto, explorá-las:
Em “A Gaia Ciência”, de 1882, Nietzsche ofereceu à humanidade 383 aforismos que foram os predecessores de seu magnum opus, “Assim Falou Zaratustra”. É nesse livro que o filósofo alemão introduz a fundamental ideia da morte de Deus, que, é importante lembrar, jamais deve ser encarada como uma celebração ateísta. O assassinato de Deus, anunciado no aforismo 125, é o início de uma crise civilizacional sem precedentes: a sociedade antes regida por uma vida e por um sistema de valores da antiga metafísica, no qual a Igreja desempenhava uma importância crucial, deixou de existir.

  Rick and Morty explora muito as consequências da civilização que acabou de perder o seu referencial de e para tudo: Deus. Toda uma sociedade que colocava Deus no centro – cujo ápice foi a Idade Média – e que era regida por valores daí oriundos, ruiu. A constatação de Nietzsche não é por acaso: o filósofo viveu no fim do século XIX, no auge do Iluminismo e enquanto uma enorme revolução científica acontecia. Mas o filósofo via isso como uma crise da civilização, que ainda, para ele, não estava pronta para tamanha façanha. Dessa forma, a vasta maioria das pessoas, em sua visão, foram tomadas por um terrível niilismo, de forma a passarem a encar a existência como um fardo, algo que deve ser enfrentado. Assim, até mesmo o tempo passou a ser visto de forma negativa, como algo ruim a se carregar e que deve ser combatida, passado, matado. Afinal, eis toda a ideia de um “passatempo”.
Esse, contudo, é apenas um sintoma da crise desencadeada pela morte de Deus, um evento que, como supracitado, acabou com todo um ciclo metafísico. E Nietzche via o futuro com o que, à primeira vista, parece um olhar pessimista, mas que na verdade, se mostrou realista à luz do século XXI. Ele previu, por exemplo, a ascensão dos regimes totalitaristas e “as maiores guerras”, em uma época na qual a grande maioria das pessoas apostavam na paz duradoura, conquistada após o equilíbrio das potências desenhado no Congresso de Viena, após as Guerras Napoleônicas.


 

Diz Nietzche, na parte 125 de “A Vontade do Poder”, que “o socialismo* – como a tirania pensada até as últimas consequências dos mais miúdos, dos mais tolos, dos mais superficiais, dos invejosos, dos setenta e cinco por cento atores – é de fato a conclusão das «ideias modernas» e de seu latente anarquismo: mas no ar morno de um bem-estar democrático afrouxa-se a capacidade de concluir, ou de se chegar de fato à conclusão”. Isso tudo para, depois, prosseguir: “Em muitos lugares da Europa pode-se chegar a golpes de mão, a investidas: com relação ao próximo século trata-se fundamentalmente de “rumores” no corpo, aqui e ali, e a Comuna dos parisienses, que também na Alemanha tem os seus oradores de defesa, seus advogados, foi talvez somente uma indigestão mais leve, se a medirmos com o que virá.
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O que faz de Rick and Morty um sucesso?

7 incríveis curiosidades sobre Rick and Morty